*aviso: spoilers sobre o filme
Em 1958 o nome do estilista Jean Louis já era conhecido como sinônimo de classe instantânea no meio artístico. Nascido 41 anos antes, em 5 de outubro, em Paris, na França, Jean Louis Berthault era tão charmoso quanto era talentoso. Ele começou sua carreira em sua cidade natal, trabalhando na casa de alta costura Agnes Drecoll, no final de 1930, logo depois de se formar na escola de design Ecole des Arts Decoratifs. Mas tudo realmente começou, de acordo com o artigo do jornal LA Times, em 1935 quando ele resolveu passar uma temporada em Nova York e enviou alguns de seus rascunhos para a firma da estilista Hattie Carnegie. Não foi contratado na época, mas acabou causando uma grande impressão em Hattie, que o acabaria empregando alguns anos mais tarde.
A primeira estrela que lhe deu atenção total foi Irenne Dunne, que abriu um leque de possibilidades e clientes para Jean, antes de entrar no meio artístico, mas a verdadeira mulher por trás de seu sucesso no cinema foi Joan Cohn, a esposa do chefe do estúdio Columbia, Harry Cohn. Conhecida por seu gosto impecável, ela adorava cada nova peça que Jean Louis criava e sugeriu que seu marido o contratasse para criar figurinos para as estrelas do estúdio.
Jean Louis em 1993 Divulgação |
A jornada de Jean em Hollywood começou em 1944 ao criar os figurinos para o filme A Obra Destruidora (Secret Command) e ele continuou a trabalhar em mais de 160 filmes ao longo de sua carreira. Sua maior musa, talvez, tenha sido Loretta Young, para quem criava lindos vestidos que ela usava em seu programa The Loretta Young Show (1951-1963). Young acabou se tornando sua terceira e última esposa. Sua maior colaboração na carreira, no entanto, foi ao lado de Rita Hayworth, a deusa do amor de Hollywood, para quem criou inúmeros vestidos em nove filmes de extremo sucesso, incluindo o clássico noir Gilda e Meus Dois Carinhos (Pal Joey), de 1957, que foi a forma de Harry Cohn mostrar que Rita estava passando a tocha de maior estrela da Columbia para a novata Kim Novak.
Jean Louis trabalhou com Novak em sua estreia como protagonista no filme Férias de Amor (Picnic), de 1955 e em Sortilégio de Amor (Bell Book and Candle), de 1958. Logo depois de trabalhar no filme, o estilista resolveu sair do estúdio da Columbia Pictures e criar sua própria grife, a Jean Louis Inc, além de trabalhar como freelancer para inúmeros estúdios já que o star system estava falindo.
Kim Novak foi a última grande estrela da Columbia Pictures Columbia/Gif |
Em Sortilégio do Amor (Bell Book and Candle), conhecemos a sedutora Gillian Hoyrold, vivida por Kim Novak, uma bruxa moderna e independente que é dona de uma loja de antiguidades. É assim que ela acaba conhecendo Shepherd Henderson (James Stewart) e descobre que ele está comprometido com uma pessoa que ela odeia, sua rival e vizinha Merle Kittridge (Janice Rule). Inconformada com a situação, ela pede ajuda de sua tia Queenie (Elsa Lanchester) e seu primo Nicky (Jack Lemmon) para fazer com que Shepherd se apaixone por ela. O que ela não esperava é que ela se apaixonaria por ele também.
Acompanhado do roteiro, dos cenários e da direção do filme, os figurinos de Jean Louis servem como reafirmação da história do filme Sortilégio de Amor. A primeira vez que vemos a personagem de Kim Novak, Gillian Hoyrold, ela está com seu gato e único companheiro, Pyewacket em seu ombro, e com uma roupa despojada: uma blusinha solta vermelha e uma calça preta. Duas cores fortes, que representam, respectivamente, sedução e mistério. Os seus pés descalços demonstram sua ligação com o local, já que a loja significa muito para Gillian, como se fosse uma segunda casa.
Columbia Pictures/Divulgação |
Outra marca registrada dos figurinos desenhados especialmente para Kim Novak para o filme Sortilégio do Amor (Bell Book and Candle) foram os longos decotes nas costas. Ao longo da película, enquanto Gillian tenta conquistar o amor de Shepherd por puro egoísmo, ela aparece com cores fortes, sempre rodeada do familiar preto e vermelho e com o decote nas costas, símbolo de uma sensualidade mais elegante, que permite que os olhos sigam a linha natural das curvas da personagem, que usa, inclusive, sua beleza para conquistar seu mais novo alvo.
Columbia/Divulgação/Montagem |
Outra ponto interessante na composição do figurino da personagem é o uso de capas com capuz. Vale a pena relembrar que o filme foi lançado em dezembro de 1958 e que o mesmo se passa durante o brutal inverno de Nova York. Mesmo assim, não pode ser coincidência: Gillian usa o seu casaco com capuz em três ocasiões importantes: primeiro quando decide, de vez, ao lado de seu primo e tia, a lançar o feitiço de amor em Shepherd. Na segunda, ela o usa na primeira vez que aparece íntima ao lado de seu mais novo enfeitiçado. Já na última vez, Gillian usa um vestido com capuz para dar adeus ao seu romance com Shepherd. Neste ponto da história ela já estava apaixonada por ele de verdade, e, logo depois dá adeus a sua vida como bruxa, uma clara referência à sua jornada com seu amado: gostar, conhecer e amar.
Ela é a única personagem no filme todo que utiliza essa vestimenta e por um motivo: é uma roupa chique e sensual que revela muito de sua personalidade: obstinada, sempre quer as coisas à sua maneira, não importa quem ela machuque no final.
Ela é a única personagem no filme todo que utiliza essa vestimenta e por um motivo: é uma roupa chique e sensual que revela muito de sua personalidade: obstinada, sempre quer as coisas à sua maneira, não importa quem ela machuque no final.
O preto, aliás, é uma cor que absorve luz, que reflete o egoísmo inerente da bruxa Columbia/Divulgação/Montagem |
Outro coringa no guarda-roupa da personagem Gillian é seu casaco dupla-face com estampa de leopardo. Quando ela se encontra com seu primo, Nicky, ela deixa visível a parte da estampa, para mostrar que não se intimida por ele. Mas ao contar para Shepherd sobre seu lado bruxa, ela deixa a parte da estampa de leopardo do lado de dentro, como um luto antecipado pelo amor que irá perder.
Columbia/Divulgação/Montagem |
O confronto final entre Gillian e Shepherd ocorre, curiosamente, no mesmo local em que eles se conheceram, com quase a mesma roupa, pela primeira vez. É como se os personagens, já desinibidos com seus sentimentos, tentassem voltar ao começo para terem um novo desfecho. Apesar da personagem de Kim Novak se vestir de preto; representando a morte de seu tempo como bruxa e o enterro de sua frieza: ela agora ama alguém e isso muda tudo. A perda de Pyewacket, seu animal de estimação e familiar mais querido, representa isso também: um novo começo, sem bruxarias.
Ela finalmente consegue chorar Columbia/Divulgação |
Na próxima cena, a do reencontro com seus dois grandes amores: Pyewacket e Shepherd é que conseguimos ver como a personagem mudou, só de observar para suas roupas. Se antes ela era conhecida por usar roupas de cores fortes, com cortes agarrados ao corpo curvilíneo e uma maquiagem impactante que acentuava sua beleza felina, sua nova versão apaixonada passa longe disso. Tons pastéis dominam sua nova paleta de cores e ela é vista usando um vestido com um corte trompete, mais solto. Diferentemente de antes, ela agora não tenta se sobressair: Gillian se mescla com o ambiente e tenta viver do modo mais natural possível.
Columbia/Divulgação |
Sortilégio do Amor (Bell Book and Candle) não foi um filme que fez sucesso quando estreou em 1958, apesar de ter sido indicado para dois Oscars: o de melhor figurino para Jean Louis e melhor decoração de set para Carry Odell e Louis Diage, mas hoje tem um seguimento cult que valoriza não só a história, mas a beleza do filme, desde seus figurinos até a atuação de grandes estrelas de Hollywood que fizeram o longa-metragem se tornar muito mais que um diamante bruto. Um verdadeiro feitiço apaixonante.
Columbia/Gif |
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