Mitos são passados de geração para geração e nenhum deles era mais forte durante o século XVII na Grécia do que os vrykolakas. Eles são conhecidos no folclore Balkan como criaturas que absorviam a energia dos vivos, com características muito semelhante aos mortos-vivos, porque apesar de não sugarem o sangue de suas presas, eles consumiam a essência vital de suas vítimas durante à noite. Além disso, a palavra vrylokakas acabou significando também vampiro pela sua semelhança com o mito de Transilvânia. Aliás, muitos gregos acreditavam que um lobisomem virava um vampiro quando morria, por isso o cuidado contra os vrylokakas era redobrado.
Assim, julga-se o vrylokaka era um morto revivido, em busca de terminar seus assuntos pendentes. Talvez essa última definição seja a mais adequada quando se trata do filme A Ilha dos Mortos (1945), dirigido por Mark Robson. Nele, Boris Karloff (o eterno monstro de Frankenstein) interpreta um general durão, chamado Pherides, que ao visitar o túmulo de sua mulher, ao lado do jornalista Oliver Davis (Marc Cramer), o encontra violado. Buscando respostas, ele encontra um senhor que mora na ilha e que tem como governanta uma supersticiosa mulher grega. Mas não é só isso: lá ele também se depara com as visitas do morador, incluindo uma jovem encantadora que é suspeita de um crime terrível: sugar as energias de sua senhora. E a situação piora quando todos os convidados ficam confinados na ilha, com a suspeita da praga.
De acordo com o livro Fearing The Dark: The Val Lewton Career de Edmund Bansak, Val Lewton, o produtor de A Ilha dos Mortos, baseou seu longa-metragem em duas obras de artes: a pintura chamada Isle of The Dead do pintor Arnold Böcklin e o conto de Edgar Allan Poe intitulado O Enterro Prematuro. Os horrores dos relatos de quem já tinha sido enterrado vivo combinados com a atmosfera maléfica da pintura de Böcklin que se inspirou no Cemitério Inglês, na Itália, onde sua filha Maria, uma entre 14 filhos do pintor, foi enterrada, para criar a atmosfera da cena foi muito bem aproveitada. Já para retratar uma ilha isolada, Böcklin se inspirou na ilha Pontikonisi, perto da cidade de Corfu, na Grécia. Elementos que, juntos, fazem um ótimo filme de horror quando junta-se um mito grego e uma mulher que morre de medo de ser enterrada ainda viva.
O problemas, no entanto, começaram assim que a produção de A Ilha dos Mortos se iniciou. Boris Karloff estava sofrendo com dores intensas nas costas e mesmo tentando continuar as gravações, ele acabou passando por uma cirurgia que o deixou no hospital por mais de um mês. A partir daí, Val já estava focado em seu outro filme, que apenas precisava passar pelos toques finais, o Túmulo Vazio (1945). Mas isso não significa que os diretores de arte da Ilha dos Mortos, Albert S. D'Agostino e Walter E. Keller não estavam totalmente focados em seu trabalho.
O contraste do cenário e da fotografia conspiram para a conclusão da vrylokakas Divulgação/RKO Pictures |
O pintor Böcklin criou cinco versões diferentes da sua pintura e esta foi usada como base para o filme Divulgação/Montagem |
Um diretor de arte é responsável por toda a concepção visual do filme, em seus mínimos detalhes e a dupla Albert e Keller foram, juntos, responsáveis pelos maiores sucessos da RKO filmes, principalmente no gênero de terror. Assim, eles, ao lado dos decoradores do set, Albert Greenwood e Darrell Silvera, encarregados de tornar a visão dos diretores de arte em realidade, tinham um minucioso trabalho pela frente.
D'Agostino, de acordo com a edição de 1971 da revista Cinefantastique, era conhecido pelo seu talento único de mesclar os personagens e os ambientes, como se fossem um só. Isso fica extremamente claro em A Ilha dos Mortos, quando nos últimos dez minutos do filme, temos uma brincadeira de luzes, como se todos os personagens apenas fizessem parte da casa, num expressionismo moderno.
As frestas abertas contra a escuridão do quarto aumentavam o terror psicológico Divulgação/RKO Pictures |
Já Keller, nunca alcançou a fama de Albert, que até foi diretor de arte de filmes para Alfred Hitchock. Mesmo assim, Walter E. Keller tinha uma grande participação nos filmes, fazendo a maior parte dos designs nos longas de Val Lewton, como conta o livro Art Directors in Cinema de Michael L. Stephens. Albert geralmente era o primeiro a ser creditado porque era o supervisor da direção de arte, ou seja, estava um passo acima na hierarquia do set de filmagens.
A parceria dos dois ao lado de Val Lewton, considerado um dos mestres do terror, começou em 1942 no filme Sangue de Pantera e terminou em 1946 com Asilo Sinistro. Mas em todos os longa-metragens, o tema de terror psicológico era utilizado em toda sua potência, apesar dos orçamentos baixos que dificultavam a criação de sets mais elaborados. Por isso, o uso da escuridão e da luz e de ambientes fechados, eram usados em abundância.
O contraste entre a sombra dos personagens e a paisagem era uma das marcas do gênero Divulgação/RKO Pictures |
Outro mérito da produção foi a recriação, em detalhes, da pintura de Böcklin, fazendo a entrada da cripta e as escadas em espiral que foram usados em momentos de suspenses cruciais do filme. É apenas no fim, quando a luz do sol banha os personagens que sobreviveram, que a ilha, em um enquadramento panorâmico, não parece mais morta, quase como se estivéssemos vendo um outro filme, com uma final feliz, típicos de romance.
Talvez seja por isso entre outros talentos, que Walter e Albert podem ser considerados uma das duplas de diretores de arte mais bem sucedidos do horror: eles sabiam combinar o realismo do roteiro com o expressionismo do terror como mais ninguém conseguiria.
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