A história improvável de uma garota cega que faz amizade com um homem negro se tornou um dos grandes best sellers de 1961 quando foi lançado sob o nome de Be Ready With Bells and Drums, traduzido como Esteja Pronto com Sinos e Baterias, pela australiana Elizabeth Kata. No livro conhecemos Selina, vítima de uma família negligente e uma infância pobre que acaba sendo cegada, acidentalmente, pela própria mãe, Rose-Ann. Ela passa seus dias sozinha, fazendo tarefas em casa para Rose-Ann e seu avó, o bêbado Ole Pa. Um dia, ao conseguir fazer com que a levassem para o parque, Selina conhece Gordon, o jovem negro que acaba mudando sua vida.
Com um Oscar de Melhor Ator em seu currículo, a escolha de Sidney Poitier para o papel de Gordon Ralfe foi clara para o diretor do filme Guy Green desde o ínicio. Foi sua esposa, Josephine Smith, de acordo com o livro The cinema of Sidney Poitier: the black man's changing role on the American screen (O Cinema de Sidney Poitier: a mudança de papel do negro na tela americana) por Lester Keyser e André Ruszkowski, que leu o livro de Kata e ficou impressionada pela história. Ela conseguiu convencer seu marido a ler também. A partir daí Guy conseguiu convencer o famoso produtor Pandro S, Berman, da MGM, de investir na história se o Sidney Poitier concordasse em estrelar no filme e se pudessem mudar o nome do longa de Be Ready With Bells and Drums, título original do livro, para outro sugerido por Josephine. Assim nasceu o título A Patch of Blue, traduzido no Brasil como Quando Só o Coração Vê.
A novata Elizabeth Hartman e Poitier tinha uma ótima química MGM/Gif |
O filme começou a ser produzido em novembro de 1964 e Sidney não deixou de dar suas fortes opiniões. Sua imagem em Hollywood era a do negro civilizado, de classe média e que sempre honrava seus princípios e que, como sempre, não ficava com a menina branca no final. Mas de acordo com sua biografia Sidney Poitier: Man, Actor, Icon de Aram Goudsouzian, Poitier não queria que o roteiro focasse tanto na natureza da raça e sim no romance entre os personagens e fez com que Pandro e sua esposa, Kathryn, os roteiristas do longa-metragem, trabalhassem nisso. Infelizmente, no filme, isso não necessariamente acontece: o romance se desenrola, mas é prematuro, com apenas uma cena de roçar de lábios.
Três anos depois da estreia de Quando Só o Coração Vê, em 1968, em uma entrevista para a Ebony Magazine em abril, ele revelou como esse potencial perdido sempre o irritou: "Eu nunca trabalhei em um filme em uma relação entre homem-mulher que não fosse simbólica. Eu sempre quis trabalhar com uma mulher negra em uma relação homem-mulher no cinema que fosse quente e positiva. Eu não estou interessado em ter um interlúdio nas telas com uma garota branca, eu prefiro tê-las com mulheres negras." Vale lembrar que Sidney já estava farto de se encaixar no molde de "negro bom" que Hollywood queria que ele honrasse.
Três anos depois da estreia de Quando Só o Coração Vê, em 1968, em uma entrevista para a Ebony Magazine em abril, ele revelou como esse potencial perdido sempre o irritou: "Eu nunca trabalhei em um filme em uma relação entre homem-mulher que não fosse simbólica. Eu sempre quis trabalhar com uma mulher negra em uma relação homem-mulher no cinema que fosse quente e positiva. Eu não estou interessado em ter um interlúdio nas telas com uma garota branca, eu prefiro tê-las com mulheres negras." Vale lembrar que Sidney já estava farto de se encaixar no molde de "negro bom" que Hollywood queria que ele honrasse.
Por isso, embora a relação de seu personagem Gordon com Selina funcione de certa forma com o estereótipo de Magical Negro, já que ele ajuda a garota cega a enfrentar seus problemas e resolvê-los, Sidney está de longe de ser um mero instrumento no roteiro. Ele é o protagonista da história ao lado de Hartman e conseguimos ver, claramente, suas emoções, indecisões e o amor que a personagem de Gordon nutre por Selina.
Agora se Sidney Poitier já estava certo como o protagonista da história, a atriz que ocuparia o papel de Selina não estava definido. Inúmeras atrizes fizeram teste para o papel, mas o diretor Guy Green soube que Elizabeth Hartman era a certa assim que a viu. Extremamente tímida, a jovem de 21 anos de idade tentou a sorte em Nova York duas vezes. Na primeira, de acordo com o artigo no LA Times, ela nem conseguiu sair do seu quarto de hotel e voltou para sua casa em Ohio. Na segunda, com um agente, ela estrelou na peça "Everybody's Out, The Castle is Sinking" e chamou a atenção de olheiros da MGM.
Sobre ela, o diretor de Quando Só o Coração Vê (A Patch of Blue), Guy Green, foi certeiro: "Ela não era uma garota glamourosa. Mas eu lhe dei um teste de personalidade e ela foi muito bem para alguém que não tinha nenhuma experiência em frente às telas. Eu disse ao Sidney que eu queria uma desconhecida para o papel e ele ficou horrorizado até que eu arranjei para que os dois trabalhassem juntos no set e ele também ficou feliz com ela."
Sobre ela, o diretor de Quando Só o Coração Vê (A Patch of Blue), Guy Green, foi certeiro: "Ela não era uma garota glamourosa. Mas eu lhe dei um teste de personalidade e ela foi muito bem para alguém que não tinha nenhuma experiência em frente às telas. Eu disse ao Sidney que eu queria uma desconhecida para o papel e ele ficou horrorizado até que eu arranjei para que os dois trabalhassem juntos no set e ele também ficou feliz com ela."
Os coadjuvantes do filme Quando Só o Coração Vê Divulgação/Montagem |
Elizabeth também visitou o Instituto de Braille nos Estados Unidos para pesquisar para o seu papel e foi ali, segundo Green, que ela começou a brilhar. Apesar de ter sido Shelley Winters, interpretando a odiosa e racista mãe Rose-Ann, que ganhou o seu segundo Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante em 1966, foi Hartman, em seu papel de estreia que causou o maior impacto entre os críticos. Todos queriam saber mais sobre ela.
Infelizmente, não podemos dizer o mesmo sobre um grupo de espectadores nos Estados Unidos. O filme Quando Só o Coração Não Vê (A Patch of Blue) foi inédito por mostrar, pela primeira vez, uma cena de beijo entre um homem negro e uma mulher branca. Mesmo que breve, a cena não caiu bem entre os racistas e, principalmente, entre os membros da Klu Klux Klan. Em Memphis, a seita fez um protesto na frente do teatro pedindo que pessoas não vissem o filme já que ele "não era de Deus." Já na Carolina do Norte, alguns meses depois foi descoberta uma bomba no cinema em que o filme estava passando. A bomba, como o livro de Goudsouzian conta, falhou.
O diretor Guy Green resolveu gravar o A Patch of Blue em preto e branco Divulgação/MGM |
Apesar dos protestos, o filme se tornou um dos mais bem-sucedidos de Poitier, arrecadando seis milhões de dólares no mundo todo e foi indicado a cinco Oscars, incluindo o de Melhor Atriz para Elizabeth, além de direção de arte e trilha sonora. Mas nem esse sucesso impediu que a carreira de Hartman, devido à sua timidez pavorosa, se tornasse cada vez mais obscura com sua recusa constante de papeis. A vida dela teve um triste fim, em 1987, aos 43 anos de idade quando se suicidou.
Quando Só o Coração Vê é um filme tocante que lida com a cegueira, a raça e a miséria dos personagens da forma mais realista possível. O final do longa se difere do livro e talvez pelo impulso dos produtores de se focarem no romance, nós espectadores, tenhamos perdido uma análise mais profunda entre o amor e o preconceito. Mesmo assim, Quando Só o Coração Vê é afinal o retrato de um amor não-realizado entre um homem e uma mulher e essa é, possivelmente, um dos elos mais poderosos que um ser humano ainda pode ter.
Confira, abaixo, nosso vídeo com 5 curiosidades sobre o filme!
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