O livro O Iluminado do escritor de terror Stephen King começa com uma frase perfeita para entender o personagem Jack Torrance, que no filme cult foi interpretado por Jack Nicholson:
Jack Torrance pensou: babaquinha pomposo.
Isso acontece logo no começo do livro e do filme, no qual Jack com sua família - sua esposa Wendy, vivida por Shelley Duvall, e Danny, interpretado no filme por Danny Lloyd, comparece em uma entrevista de emprego para cuidar de um antigo hotel durante o inverno, já que lá terá paz suficiente para poder escrever seu livro. É nesta frase, no entanto, que já conseguimos perceber, logo de cara, a raiva inerente que a personagem possuiu e como isso se desenvolve no roteiro e na história dessa família.
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Apesar do filme ser considerado um clássico cult depois de tantos anos, o próprio escritor da história, Stephen King, considera o filme uma afronta! Em entrevista para o site Deadline em 2016, o escritor não poupou as duras palavras: "Eu ainda não acho que o filme é bom porque a personagem de Jack não tem arco algum de história. Quando vemos Jack Nicholson, ele está no escritório com o senhor Ulmann e você já percebe que ele é doido ali e ele só fica pior. No livro, ele é um cara lutando por sua sanidade e dai ele perde. É uma tragédia. Mas no final não tem mudança alguma, só piora." Para King, O Iluminado (The Shining, 1980) é muito visual e pouco conteúdo.
Muitos críticos concordaram com ele e em entrevista com Jack Nicholson para a Revista Empire, o ator revela que não entende essa relação de amor/ódio dos críticos com Kubrick: "Ele nunca conseguiu boas críticas, a não ser por seus filmes antiguerra. Eu sempre me interessei por sua relação com os críticos, que sempre falavam mal de seus filmes originalmente e depois percebiam que foi o melhor que já viram. Eu sempre me perguntei o porquê disso, porque nós nunca tivemos problemas em perceber que os filmes de Stanley são ótimos."
O Iluminado (1980) começou a ser gravado em 1978 e Jack se envolveu no projeto de forma peculiar: o ator chamou a atenção de Kubrick ao participar do filme Sem Destino (Easy Rider, 1969), que queria que Jack interpretasse o Napoelão Bonaparte em uma cinebiografia. O projeto nunca saiu do papel, mas os dois mantiveram contato. Assim quando o cineasta ligou para Nicholson, revelando que seu próximo projeto seria um thriller psicológico, ele agarrou a chance de participar de um filme com o diretor, que ele considerava ser brilhante!
Jack Nicholson e Kubrick no set de O Iluminado (1980) Divulgação |
Jan Harlan, produtor executivo do filme, afirmou que Stanley agarrou a chance de fazer o projeto, apesar de nunca ter feito um filme de terror antes, porque recebeu liberdade criativa de Stephen para escrever um roteiro mais ambíguo e mudar o que quisesse na história. Jack Nicholson sempre foi a primeira escolha para o papel, assim como Shelley Duvall. O ator, porém, queria que sua co-estrela em O Destino Bate à Sua Porta (The Postman Always Rings Twice, 1976), Jessica Lange, fosse sua esposa no filme, porque achava que ela se aproximava melhor da descrição do filme de Stanley e ficou surpreso com a escolha de Shelley Duvall.
No entanto, Jack já revelou que ficou surpreso com a grande atuação de Shelley: "Eu chamo isso do trabalho mais duro que um ator já fez porque em 40% do filme ela está histérica. E quando as filmagens são tão longas; imagine meses e meses como um ator tendo que trabalhar nessa histeria. (...) Eu não sei se conseguiria fazer isso. Você tem que fazer, mas por quatro meses? Mas ela fez. Ela está brilhante no filme!" Aliás, ele ainda revelou que a famosa frase 'Here's Johnny' foi baseado no monólogo de abertura do programa televisivo de Johnny Carson, tanto que Kubrick ficou chocado de Jack não ter percebido essa referência.
Shelley Duvall concorda que foi a performance mais complicada de sua vida. Ao conversar com a jornalista Lee Gambim em 2011, ela contou que "Stanley tem uma reputação ruim, mas ele é um perfeccionista. Nós tínhamos nossos momentos de descontração no set, mas geralmente explodíamos um com o outro. Eu sou uma pessoa muito teimosa e não gosto que mandem em mim e Stanley me puxava e puxava até que eu chegasse onde ele queria. O roteiro não era específico o suficiente para eu entender a minha personagem." Apesar disso, ela mantém que teve uma ótima relação com Jack e os dois se ajudavam muito durantes as cenas. Infelizmente, a atriz, atualmente, está em um estado mental frágil, sofrendo com alucinações e muito diferente de como estava em seus dias de glória nas telonas.
Shelley Duvall e Kubrick discutindo sobre a cena Divulgação |
O processo de atuar o filme também foi difícil para Jack Nicholson. Sua namorada na época, Anjelica Huston, filha do grande diretor John Huston, revelou que ele chegava tão cansado que mal conseguia fazer nada a não ser dormir bem cedo para se recuperar para o próximo dia de gravação. Mas se Kubrick, com seu jeito introspectivo e sua determinação em tudo sair perfeito era duro com seus atores adultos, especialmente com Shelley, com Danny Lloyd, que interpretava o filho do casal, ele era todo dedos de formosura!
Foi seu colaborador, o ator Leon Vitali, que descobriu Danny Lloyd e indicou que ele seria perfeito para trabalhar no filme. Com apenas 7 anos de idade quando o filme foi lançado, Lloyd não fazia nem ideia que estava em um filme de terror, conquistando o papel ao externar a voz de seu pai - já que o garoto lia mentes - através de transformar seu dedo indicador como se fosse um fantoche.
Danny, contudo, achava que O Iluminado era um drama sobre uma família e só. Tanto que, na cena quando a personagem de Jack Nicholson enlouquece e Shelley Duvall começa a fugir com Danny nos braços, é na verdade um boneco que ela segura. Em entrevista ao Daily News, a primeira depois de muitos anos, Danny revelou que tentou conseguir mais papeis no cinema, mas aos 14 anos de idade desistiu para viver uma vida normal, enfatizando que ficou muito feliz em participar do O Iluminado, que foi seu primeiro papel no cinema: "Eu fiquei feliz de participar do filme. Não foi uma má experiência para mim. Apenas não deu muito certo para mim e eu resolvi voltar a ser um cara normal."
As gêmeas com quem ele brincava durante os intervalos no set, Lisa e Louise Burns, dividem o mesmo carinho sobre o filme, revelando pelo Daily Mail, que Jack era como uma figura paterna para elas no set de filmagens e que diferente de Danny, elas não se importaram com o aspecto macabro do filme - elas sabiam sobre o que era e levaram na maior naturalidade. As gêmeas completaram 11 anos de idade fazendo o filme e Kubrick fez questão de fazer uma enorme festa para as garotas Grady. No livro, aliás, as personagens não são gêmeas, mas Luisa revelou que elas fizeram o teste para o papel mesmo assim e agradecem que o cineasta considerou que gêmeas seriam muito mais assustadoras nas telas.
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Os relatos são verdadeiros, no entanto - trabalhar no set com Kubrick era um grande desafio. Ele fazia os atores interpretarem a mesma tomada mais de 15 vezes até conseguir deles o que queria. A cena em que Johnny, com um machado, ataca sua esposa, demorou mais de 3 dias para ser feito, mas a porta, na verdade, era feita de amendoins - o desafia era arrebentar a porta de forma mais natural! Outra cena no filme em que Jack briga com Wendy por tirar sua concentração no trabalho foi inspirado no próprio divórcio de Nicholson e Sandra Knight, que foi finalizado no dia dessa gravação.
Os atores mais velhos ficavam no set por mais de 15 a 17 horas e Kubrick, como já contamos, os faziam repetir a cena até a exaustão física e mental. A sina do cineasta era com Shelley, de quem ele nunca ficava satisfeito com sua performance, mandando que ela ficasse mais assustada e inclusive, tratando-na bem diferente do resto dos atores, com muita mais frieza. Emilio D'Alessandro, que trabalhou de perto com Kubrick, conta em sua biografia Stanley Kubrick and Me: Thirty Years at His Side, uma parte dessa triste história:
Quando Jack fazia um erro ele continuava. Ele improvisava ou juntava para tentar terminar a cena. Assim ele dava a chance para que Stanley pensasse na cena toda. 'Não se preocupe. Se não está certo, nós fazemos de novo.' disse o Stanley para acalmar Shelley, mas ela ficava mais e mais insegura. Ele dizia: 'Shelley, apenas faça a cena como eu te falei e vemos isso depois.' e ela dizia: 'Você sempre diz ok para o Jack e nunca para mim. Tem algo de errado?' e ele pedia que ela apenas fizesse a cena. "
Emilio, que trabalhou com o elenco e como parte dele como produtor assistente, ainda revelou que Shelley voltava para o hotel chorando toda à noite, triste por não conseguir fazer o que Jack fazia e não arrancar nenhum okay do diretor. A filmagem de O Iluminado também sobreviveu à um incêndio elétrico, que atrasou ainda mais a produção já lenta do longa, por dois meses.
Stanley, conhecido por manter seu set de filmagens bem familiar, apesar das demandas, convidou sua filha Vivian, ansiosa por participar do filme, para trabalhar com o departamento de arte em busca de roupas dos anos 20, para uma cena em particular. Foi aí, de ficar no set por tantos dias, que ela teve a ideia de criar um documentário sobre as filmagens de O Iluminado, que está disponível, na íntegra, no youtube, em inglês! Katharina, sua enteada, também participou das filmagens, buscando o local perfeito para o filme, no qual as cenas externas foram gravadas, em Colorado, nos Estados Unidos.
Foi apenas no meio de 1979 que a edição de O Iluminado começou e o estúdio EMI levou meses apenas para catalogar, em ordem, as filmagens de Kubrick. O filme ganhou sua estreia em 23 de maio de 1980 e recebeu críticas mistas, com muitos criticando a falta de alinhamento com a história de Jack Torrance no livro. Anos depois, o escritor Stephen King lançou um livro chamado Doctor Sleep, revelando aos leitores o que aconteceu, anos depois, com a personagem de Danny.
O final foi realmente muito criticado, já que no livro Jack consegue lutar com sua insanidade tempo o suficiente para sua família fugir e ele morrer no hotel em chamas. Kubrick, de acordo com a matéria do EW, resolveu mudar isso, acreditando que um filme de terror deveria ter alguém para ser morto e assim o personagem de Jack mata Halloran; foi considerado que Danny morresse, mas Kubrick não teve a coragem. Questionado sobre os erros de continuação do filme, como janelas que não caberiam no hotel e outros detalhes, o cineasta dizia que era uma história de fantasma que não deveria ser levada à sério.
O final foi realmente muito criticado, já que no livro Jack consegue lutar com sua insanidade tempo o suficiente para sua família fugir e ele morrer no hotel em chamas. Kubrick, de acordo com a matéria do EW, resolveu mudar isso, acreditando que um filme de terror deveria ter alguém para ser morto e assim o personagem de Jack mata Halloran; foi considerado que Danny morresse, mas Kubrick não teve a coragem. Questionado sobre os erros de continuação do filme, como janelas que não caberiam no hotel e outros detalhes, o cineasta dizia que era uma história de fantasma que não deveria ser levada à sério.
Harlan, um dos produtores executivos do filme, ainda revelou que existiram inúmeras cenas cortadas pela Warner Bros por causa do tempo de duração de O Iluminado, incluindo um no qual Jack encontra o livro de histórias do hotel e até uma leve mudança no final, para deixá-lo ainda mais macabro. A inserção de Jack na fotografia, no entanto, já estava planejada desde o início e foi a úncia coisa não alterada. No entanto, não fiquem animados para uma possível reedição do filme não, já que Harlan diz: "Todas as cenas extras e não usadas foram destruídas, incluindo os negativos. Ele sabia que nunca consideraria uma reedição. Ele vivia no presente. Não olharia para trás."
Um dos filmes mais famosos de Stanley Kubrick, apesar das críticas negativas, O Iluminado (The Shining, 1980) é um clássico cult do gênero horror quer Stephen King e os críticos gostem ou não.
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