Em uma época na qual a ópera era um gênero superpopular de música, Jeanette MacDonald e Nelson Eddy eram reis de bilheteria.
A parceria deles começou em Oh, Marietta! (Naughty Marietta, 1935) e se estendeu em mais sete filmes, em sua maioria de grande sucesso. Se hoje o gênero musical que os consagrou é considerado ultrapassado, nos anos 30 não havia dupla mais querida no cinema do que eles.
Ambos se casaram com outras pessoas: Jeanette com Gene Raymond, um sósia de Nelson, em 1937 até sua morte em 1965, e o barítono com Ann Deitz em 1939 até seu falecimento em 1967. Os rumores sobre MacDonald e Eddy variavam: ou se amavam nos bastidores ou se odiavam.
Sharon Rich, fundadora de um dos maiores fã-clubes da dupla, afirma saber a verdade: os dois se apaixonaram em 1934 e tiveram um caso que durou por décadas. O grande empecilho para que eles vivessem esse amor era Louis B. Mayer, dono do estúdio MGM que controlava suas carreiras, além de desencontros, suas vaidades e o destino.
Com base nesse romance ela escreveu o controverso livro Sweethearts: The Timeless Love Affair -- On-Screen and Off -- Between Jeanette MacDonald and Nelson Eddy lançado em 1994.
Controverso porque nele, a autora afirma com todas as letras que Jeanette e Nelson eram amantes predestinados - e que se amavam com tanta paixão quanto brigavam - mesmo sem exibir provas factuais do caso.
Calma que explico! Existem duas grandes falhas em Sweethearts: The Timeless Love Affair -- On-Screen and Off -- Between Jeanette MacDonald and Nelson Eddy: a primeira é a narrativa, que ao invés de ser direta se baseia nos moldes da narrativa de romance, transformando Jeanette e Nelson em personagens de um romance trágico. A segunda é que apesar de nos informar datas, detalhes, fotos, pinturas e cartas dos apaixonados, não há sequer um registro fotográfico deles no livro.
Ao procurar resenhas críticas da obra, feita por leitores comuns, encontra-se adjetivos como "fanfiction" (ou seja, história criada por um fã), "invenção" e até outras palavras de baixo calão. Isso se dá pela escolha de discurso indireto de Rich, no qual ela ficcionaliza alguns eventos e falas para moldar tudo à sua narrativa de livro romântico.
Em suas 447 páginas, Sweethearts já começa em uma nota desafiadora: quem escreveu o epílogo do livro é Jon Eddy, o suposto filho de Nelson com a cantora de ópera Maybelle Marston .Jon é mencionado no livro e até relembra detalhes sobre o romance de seu provável pai com Jeanette, mas a autora não nos dá prova concreta da paternidade. Além da palavra dele, não há nenhuma foto de Jon com o pai ou qualquer outra circunstância.
Na verdade, esse é um erro de construção da autora e da editora, já que ao pesquisar citações do livro e informações de jornais, consegui encontrá-las, depois de uma árdua busca, na internet e em fontes anteriores à publicação do livro, em 1994.
Talvez o desejo de Sharon em deter informações preciosas sobre o casal impediu que ela publicasse as cartas e fotos de Jeanette e Nelson. O problema é que assim, ficamos apenas com a palavra da autora sem prova física dessas informações. É aí que o livro se torna controverso, afinal: sem exibir as provas, temos que acreditar piamente no que lemos em Sweethearts?
Em Sweethearts: The Timeless Love Affair -- On-Screen and Off -- Between Jeanette MacDonald and Nelson Eddy o leitor ganha uma miniautobiografia de Jeanette e Nelson para se situar, no qual consegue encontrar as similaridades entre os dois enamorados - que desde jovens sabiam que queriam estar no entretenimento. A autora também se concentra em refutar rumores de que Nelson era homossexual -rumores que aumentaram após ele se casar com Ann Deitz, bem mais velha do que ele - e que Jeanette seria frívola sexualmente.
Depois desse contexto, ela narra o primeiro encontro dos dois em 1933 em um jantar na casa de Frank LLoyd e sua esposa, no qual Nelson relembra para a mãe, Isabel:
Ela era uma visão ou um anjo. Não tenho certeza de qual. Ela usava um lindo vestido de cor lavanda e veio até mim com tanta graça e dignidade. Eu lembro que a primeira vez que a conheci fiquei sem palavras e sem saber o que fazer. - Sweethearts, página 8.
Os dois começaram um romance que terminou rapidamente quando Nelson insistiu em pedi-la em casamento e pedia que ela desistisse de sua carreira - já bem mais estabelecida do que a dele. Ambiciosa, Jeanette se recusou, mas ali já era tarde demais: ela já havia o recomendado para atuar em Oh, Marietta (Naughty Marieta, 1934) - o primeiro de muitos filmes do casal.
Entre brigas e términos nos quais Jeanette engravidava de Nelson e alguns meses depois perdia o bebê - durante as gravações de Rose Marie (1936) e depois em Sweethearts (1938), ela ficou grávida - os dois discutiam incessantemente sobre suas carreiras e sobre o domínio de Louis B. Mayer, chefe do estúdio MGM, e que não queria os dois juntos.
O leitor comum, que não tem muita familiaridade com o sistema de estrelas da Hollywood Clássica, fica incrédulo com as afirmações de Sharon Rich, de que Louis conseguiria separar Jeanette e Nelson por anos, com aparente facilidade para destruir suas vidas. Mas isso era feito e era muito comum.
Lana Turner, por exemplo, também contratada pela MGM, foi impedida de continuar seu romance com Tyrone Power pelo próprio estúdio. Judy Garland era controlada constantemente por Mayer, desde seu peso até sua vida pessoal, e foi forçada a fazer um aborto de seu primeiro marido, David Rose, para não destruir sua imagem virginal.
Jeanette Macdonald, aliás, era a favorita de Louis B. Mayer - a outra era Irenne Dunne - e isso é um fato. Até a biografia oficial da ruiva, Hollywood Diva: A Biography of Jeanette MacDonald de Edward Baron Turk, sancionada por sua família, admite que a atriz passava horas no escritório do diretor e assim conseguia favores especiais - e vice-versa.
Portanto, Louis B. Mayer odiava Nelson, mas não podia mandá-lo embora da MGM porque sua parceria nas telas com MacDonald significava mais dinheiro para ele. Assim, o diretor fazia o possível para mantê-los separados, com medo de que a insistência do barítono e uma gravidez de Jeanette pudesse acabar com seu reinado.
Sweethearts: The Timeless Love Affair -- On-Screen and Off -- Between Jeanette MacDonald and Nelson Eddy relata esse período de tempo de forma fidedigna, assim como outros momentos do casal. Apesar de leitores definirem o livro como uma fanfiction, a autora não se esquiva de fatos controversos, como Nelson ter estuprado Jeanette e as brigas violentas dos dois, inclusive o temperamento explosivo e muitas vezes assustador de Eddy.
Sharon Rich fez uma pesquisa extensa, de anos, para construir seu livro. Ela teve acesso exclusivo à irmã de Jeanette, Blossom Rock - a Mama da série Os Monstros - à mãe de Nelson Eddy, amigos do casal e outros colegas de profissão além de cartas românticas dos dois enamorados, que entre idas e vindas viveram um romance que durou mais de 30 anos. Duvido - e muito - de que ela arriscaria sua reputação para escrever uma falácia.
O erro principal do livro é que não há cópias das cartas, não há cópias das fotos e nos deparamos apenas com descrições e transcrições das provas, sem vê-las. Se essa foi uma estratégia de Sharon para reter essas preciosas informações - que ela também divide no site maceddy.com -, ela sai pela culatra porque o leitor comum, em sua maioria, não se dará ao trabalho de pesquisar as informações e referências para saber se é verdade. Então ele suspeita: se não há provas, não há crença.
No caso, a edição de Sweethearts também não ajuda a narrativa do romance: isso porque no livro em questão, as fotos estão espalhadas pelas páginas tornando a leitura cansativa e sem qualquer alívio visual. Uma solução, por exemplo, seria se basear nos moldes de livros autobiográficos nos quais há uma seção apenas de fotos e cartas.
A questão de um milhão de dólares, que valida ou não o livro, é o seguinte: ao lê-lo, você acredita que o romance entre Jeanette e Nelson aconteceu de fato? Uma pergunta, de fato, capciosa pois ela depende: se você é um leitor fã da antiga Hollywood, especialmente de Jeanette e Nelson, e já sabe de fatos como Gene Reymond - marido da atriz - ser homossexual, a saúde frágil de Jeanette e o temperamento de Nelson, todo o livro faz sentido. Se for apenas um leitor meramente curioso, você fica com muitas dúvidas e não sabe o que acreditar.
Sweethearts: The Timeless Love Affair -- On-Screen and Off -- Between Jeanette MacDonald and Nelson Eddy ganhou uma edição especial de 20 anos de lançamento com mais fotos, entrevistas e detalhes sobre o relacionamento dos astros, inclusive sobre o filho natimorto deles, que se chamaria Daniel. Disponível online, por apenas R$21 no Kindle, é uma edição melhor diagramada, com mais fotos e detalhes e portanto a mais recomendada.
Apesar disso, Sweethearts sofre com a falta de evidência fotográfica e ao utilizar uma narrativa indireta livre para tentar aproximar o leitor dos personagens, "esquece" de que é uma biografia e que neste caso se apoiar em fatos e indícios seria a melhor forma de fortalecer sua teoria. E não escrevendo uma história romântica.
Sweethearts: The Timeless Love Affair -- On-Screen and Off -- Between Jeanette MacDonald and Nelson Eddy e, consequentemente, o relacionamento de Nelson e Jeanette, virará uma cinebiografia com o envolvimento de Sharon Rich e dirigido por Michael Radford. O filme, de acordo com o site Deadline, está em desenvolvimento e começará a ser gravado no final do ano, na Espanha.
Se em uma próxima edição Sweethearts: The Timeless Love Affair -- On-Screen and Off -- Between Jeanette MacDonald and Nelson Eddy conseguir consertar esses erros, é certeza de que conseguirá unificar os incrédulos deste romance.
Nos jornais da época existiam duas versões: que os dois se amavam ou que os dois se odiavam e não havia meio-termo. Até Jeanette em entrevista em 1938 fez questão de afastar rumores de brigas com Nelson:
Eu realmente acho que o Nelson gosta de trabalhar comigo. Eu sei que gosto de trabalhar com ele e estou muito feliz que continuamos como uma equipe pelo menos por um filme ao ano. - The Maitland Daily Mercury, 27 de julho de 1938
Por enquanto, o livro, por si só, continua a dividir: os que acreditam e os que não acreditam. O único jeito é ler Sweethearts e tirar suas próprias conclusões.
Páginas: 447
Editora: Diff
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