Marlene Dietrich é sinônimo de sedução e talento. A eterna 'Vênus Loira' começou em Hollywood nos anos 30, exportada diretamente da Alemanha. Transgressora, a atriz apareceu de smoking e chapéu em Marrocos (Morocco, 1930) e ainda lascou um beijo em uma mulher em frente às câmeras - tudo isso antes do código Hays [código de normais morais aplicadas à filmes] se tornar vigente entre 1930 a 1968.
A artista, que já foi uma das mais bem-pagas de Hollywood, foi casada com o produtor cinematógrafico Rudolf Sieber até a morte dele em 1976 - apesar de ter casos com homens e mulheres. Juntos, eles tiveram a filha Maria Riva em 1924 e ela foi uma das grandes opositoras ao nazismo. Em 1957, ela estrelou o sucesso 'Testemunha de Acusação' e, ainda aproveitando esse auge, Marlene chegou ao Brasil em julho de 1959 para fazer seus famosos shows nas 'boites' da época.
Marlene ao chegar no aeroporto do Rio de Janeiro, em julho de 1959 |
Marlene desembarcou no Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, às 12h50 do dia 24 de julho, à bordo do Super G da Varig, após uma breve parada em São Paulo, onde não atendeu a imprensa. A estrela estava acompanhada de seu empresário Chuck Woodward, o pianista, Burt Bacharach, e sua dama de companhia. No desembarque, ela ainda posou para fotos com o Marechal Lott, O Ministro de Guerra do Brasil, que estava no local rumo à Ceará, Fortaleza. Ele afirmou que era um "velho admirador" da atriz.
Assim que Marlene desembarcou, ela era esperada por uma multidão de fãs, ávidos por conseguirem seu autógrafo. A atriz ficou em alvoroço ao reconhecer um rosto familiar: o de Armand Ravanetti, que já atuou como seu cabeleireiro, em suas turnês na América do Norte e na Europa. Ela avançou e gritando 'Armand! Armand!' e lhe deu um beijo.
Entre os fãs, todos afirmaram em uníssono: "Como ela está conservada!" Aos 57 anos de idade, Dietrich tinha um corpo de dar inveja e um rosto livre de marcas e rugas.
Marlene Dietrich ao chegar ao Brasil e com seu 'Armand!' Manchete |
Marlene exibindo suas pernas no aeroporto e com uma criança sortuda |
Dos atores brasileiros, só conheci Carmen Miranda. Era uma grande atriz e uma boa amiga. - Carmen faleceu em 5 de agosto de 1955.
A estrela também relembrou da II Guerra Mundial, taxando o momento como "sua mais triste recordação". Marlene ficou irritada com a insistência dos fotógrafos, especialmente por tentarem tirar sua foto de perto. Ela distribuiu diversos autógrafos, em especial no livro 'Vênus Loira' de Leslie Frewin, no qual escreveu em inglês: "Não é verdade". No local, ela conversou mais com Angela Maria, interessada no rádio, embora outros famosos estivessem presentes como Cyl Farney, Silveira Sampaio, Miro Cerni, Alberto Ruschel e Luis Jatobá.
Marlene em cocktail de Harry Stone em sua homenagem; com Angela Maria |
Segundo o Mundo Ilustrado, Marlene comeu muito bem naquela noite: camarão, caldo, faisões e fois-grás. O embaixador da Argentina e sua esposa estavam no local, além de Ministro da Itália, a sra. Roberto Marinho, e outros 50 convidados.
Os jornais sensacionalistas, é claro, adoravam aumentar a idade da deusa do cinema. Muitos afirmavam que ela tinha 58 anos e outros até se referiam à ela como sexagenária. Ageismo à parte, Marlene fez até mais sucesso do que Nat King Cole no Golden Room, causando uma superlotação com mais de 700 pessoas.
Marlene com Ibrahim e outros convidados no cocktail |
No dia 27 de julho, a grande estreia de Dietrich nos palcos brasileiros! Mas não sem algumas exigências como: feltro no pé do microfone, tapete persa e mobília nova no camarim, exigiu que a cortina no palco fosse aberta ao meio e que as paredes do camarim fossem forradas com papel. Além disso, nenhum fotógrafo poderia tirar fotos suas de perto - no minímo 3 metros de distância. De acordo com o Jornal, ela demonstrou dedicação e ensaiou, todas às tardes, o seu número com afinco.
Na noite de estreia do espetáculo, o número de abertura ficou à cargo de Silveira Sampaio. O autor fez diversas piadas, primeiro sobre o empresário da atriz, Chuck Woodward, e depois sobre a própria Marlene, afirmando que ela era uma mistura de "sabedoria e poder". Às 22h30, Marlene estava à postos para entrar com um vestido brilhante, justo e sensual. Infelizmente, ela teve que parar algumas vezes o show para pedir que a orquestra tocasse mais baixo e para ajustar a iluminação do palco.
Marlene em sua noite de estreia no Golden Room |
Marlene cantou em inglês, francês e alemão, inclusive 'Blue Angel' e 'Lil Marlene', seus maiores sucessos. Ela também surpreendeu ao erguer a perna quase até a cabeça - impedindo que outras dançarinas fizessem o mesmo - e quando beijou seu pianista bonitão na boca. O grande momento foi quando ela cantou 'Luar do Sertão', criação de Catulo da Paixão Cearense e João Pernambuco, após ser ensinada pelo velho amigo, Cauby Peixoto.
Segundo a revista Radiolândia, Marlene recebeu Caubi, que atuava como cantor em Hollywood sob o pseudônimo de Coby Dijon, e os maestros brasileiros Silvio Mazzuca e Lírio Panicalli, em sua partida de Nova York para o Brasil. Além de aprender a canção, a artista ainda quis assimilar tudo que poderia sobre o país.
Marlene em Nova York com Caubi e os maestros brasileiros Radiolândia |
Marlene se apresentou no Golden Room, sob aplausos e bis, todas às noites até o dia 4 de agosto daquele ano. A atriz, inclusive, recebeu jornalistas de O Cruzeiro em seu camarim, onde ela tinha uma foto de Ernest Hemingway - os dois foram amantes e amigos por anos. O escritor, inclusive, sempre enviava um telegrama antes das apresentações de Marlene e, no Rio, lia-se: "Se você parecer para eles do jeito que esteve para mim, eles ficarão felizes. Papa".
Na foto de Hemingway, a seguinte dedicatória era visível: "Para minha querida Krant, com todo o meu amor". Na apresentação, noite após noite, ela cantou as seguintes canções: 'Look me over closely', 'You’re the cream in my coffee', 'My blue heaven', 'The boys in the backroom', 'Das Lied ist aus', 'Je tire ma reverence', 'Alright, okay, you win' 'Makin’ Whoopee !', 'I’ve grown accustomed to her face', 'One for my baby', 'Maybe I’ll come back' e 'Luar do sertão'. Em março de 1960, a gravadora Columbia lançou um álbum do show dela no Rio intitulado 'Dietrich in Rio', mas especula-se que a gravação não foi feita ao vivo, sendo em estúdio, com os aplausos adicionados posteriormente.
Marlene em seu camarim - o amor de Hemingway |
A 'Anjo Azul' também fez diversas compras e até visitou a 'Casa Heim', uma das mais finas lojas do Rio de Janeiro. Ela também foi convidada pelo sr. Mariozinho de Oliveira para um passeio de automóvel e aceitou, vendo as praias cariocas do Recreio dos Bandeirantes até o Arpoador e Copacabana. A 'vovó' mais linda de Hollywood ainda arrumou tempo para cortar o cabelo com seu querido Armand e afirmou ter um especial contra rugas, mas não revelou segredo para ninguém. Além disso, ela iniciou a partida do Botafogo e Bangu no Maracanã.
No dia 29 de julho, Marlene compareceu aos estúdios da TV Tupi, no Rio de Janeiro e participou do programa às 21h30. Com produção de Jacy Campos, a atriz cantou quatro músicas ao vivo: uma em inglês, outra alemã de 'Das Lied ist aus', 'Lil Marlene' e 'Blue Angel'. Marlene também contou sobre o início de sua carreira em uma breve entrevista, mas sem exibir as pernas! Essa foi a primeira vez que Marlene se apresentou frente às câmeras de televisão, mas as filmagens já não existem mais.
Marlene Dietrich e Jacy |
No dia 31 de julho, a atriz esteve no restaurante Sacha's e aproveitou para conhecer o Presidente da República, Juscelino Kubistcheck. Ela foi recebida no Palácio das Laranjeiras, e os dois conversaram em inglês e francês. Marlene posou para fotos e também bateu um papo com Harry Stone e o Ministro Aluísio Napoleão.
A artista o indagou sobre como era ser presidente e foi bastante cortês, assim como o próprio Juscelino, mesmerizado por Marlene.
Marlene e Juscelino juntos - veja a filmagem deles aqui |
No dia 1º de agosto, às 21h30, Marlene esteve de volta à TV Tupi, mais uma vez, para conversar e se apresentar ao vivo. O show, aliás, foi copiado pela comediante Nádia Maria, que se fantasiou de Dietrich, com a ajuda de Agildo Ribeiro para o quadro 'Noite de Gala', da emissora. Dietrich também pretendia gravar a canção 'Suas Mãos', de Antonio Maria, em estúdio da Columbia no Brasil, de acordo com Harry Stone para O Jornal, mas não se sabe se isso realmente ocorreu.
Nadia como a grande Dietrich |
Seguindo com a rotina de shows, Marlene também foi atração do 'Grande Prêmio Brasil', no Hipódromo da Gávea, no dia 2 de agosto daquele ano. A atriz, aliás, deu sorte, e o cavalo Narvik bateu o recorde mundial da distância de 3000 metros, que até hoje não foi superado. Ela voltou ao Copacabana Palaca Hotel e, na segunda-feira, 3 de agosto, estava no Aeroporto do Galeão, às 13h, rumo à São Paulo. Ela pretendia voltar após sua temporada em Buenos Aires e assim seria feito!
No local do embarque, Marlene voltou a falar com os jornalistas e revelou para o Correio da Manhã a melhor memória que guardaria do Rio de Janeiro:
Estive trabalhando praticamente sem parar. Confesso que vi muito pouco dessa cidade, pouco mesmo para ter alguma recordação. Assim, as minhas lembranças ficam sendo as noites maravilhosas dos espetáculos: as flores que o público jogou ao palco. Esse público gentil e simpático do Rio.
No local, Marlene encontrou a cantora Sarah Vaughan, que chegava para uma temporada no Rio de Janeiro. As duas conversaram, se abraçaram e foram bastante calorosas. George Green aproveitou para tocar violão e se despedir da musa do cinema de Hollywood.
Marlene e Sarah Vaughn, uma das vozes mais lindas do séc XX |
Marlene em São Paulo
Às 15h30 do dia 3 de agosto, Marlene desembarcou no aeroporto de Congonhas, sob à espera de uma multidão de fãs. Hospedada no Hotel Jaraguá, ela fez o check in e apenas voltou aos olhos do público às 20h daquela mesma noite, comparecendo à um cocktail em sua homenagem no Jardim de Inverno Fasano, na Avenida Paulista.
A estrela foi recebida com diversos flashs dos fotógrafos e, logo, as perguntas começaram. Indagada sobre o presidente Juscelino, ela o definiou como "charmoso". Ela foi só elogios para o diretor Josef von Sternberg, afirmando que era uma "criação dele". Para o jornal Estadão, Marlene negou ter participado do filme 'Rua Sem Alegria' com Greta Garbo, apesar dos rumores.
Marlene chegou a ser capa do 'Suplemento Feminino' do Estadão e, ao ser indagada sobre sua poesia favorita, indicou: 'A Lua' de Goethe.
Marlene em chegada à São Paulo; em cocktail em sua homenagem |
Dietrich, que supostamente vivia um affair com Burt, seu pianista, afirmou que ele era "um sonho" e que não fazia nada sem sua aprovação. Indagada sobre ser atriz, Marlene garantiu ser mais uma "personalidade", já que não tinha tanta ambição e trabalhava apenas para "ganhar a vida". Em um momento fora de tom, ela foi indagada até por uma jornalista mulher sobre a bomba atômica! A estrela diz que preferia, ainda, fazer shows do que cinema:
No cinema, há muita gente. O êxito depende de muitos fatores. No show estou só, a responsabilidade é toda minha. Ele é mais difícil, por certo. Mas tenho a oportunidade de exprimir-me completamente. Improviso o tempo todo porque tenho sempre públicos diferentes. Foi no Exército [onde ela passou três anos fazendo shows] que aprendi a improvisar. Essa foi minha grande escola. Antes não sabia nada - Marlene para o Estadão.
Em 4 de agosto, Marlene estreou na TV Record, na rua Consolação nº 1922, às 21h. Ela fez seu show, bastante similar ao do Golden Room do Copabacana Palace, também no dia 6 de agosto e no dia 9, com renda destinada à campanha da construção do Hospital Para Correção dos Defeitos da Face. Ela foi acompanhada pelas bailarinas de Abelardo Barbosa, o Chacrinha. Na sexta-feira (7), fez uma apresentação ao vivo no Jardim de Inverno Fasano, para uma plateia seleta.
Marlene Dietrich em entrevista para a imprensa |
Marlene rumo à Buenos Aires |
Rio de Janeiro - de novo!
Marlene em sua chegada ao Rio de Janeiro - de novo! |
Marlene, às vezes, usava um smoking branco em apresentação no Rio Maria Riva biografia |
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