A relação entre pais e filhos é complexa. Enquanto a mãe é uma figura que está sempre por perto, atendendo as necessidades de seus herdeiros, o pai parece uma entidade que pode entrar e sair da vida de seus descendentes, sem preocupações. Embora haja exceções, em ambas as esferas, no Brasil vê-se uma verdadeira epidemia: 470 crianças são registradas sem o nome do pai na certidão de nascimento por dia, segundo levantamento de 2022.
E este caso, tão palpável para nós, ocorreu com o francês Christian Aaron Boulogne - também conhecido com Ari Boulogne e Ari Pffägen - que foi renegado a vida inteira pelo próprio pai, o astro de cinema Alain Delon. A mãe dele era a famosa Nico -anagrama de Icon -, que fez parte da banda The Velvet Underground com Lou Reed, e uma das divas mais famosas da cena musical em Nova York, nos EUA - queridinha de Andy Warhol, artista plástico que ditou tendências de arte no local até os anos 80.
Christian, também conhecido como Ari |
O astro de cinema francês e a alemã talentosa se conheceram por acaso. De acordo com a biografia 'Nico: Life and Lies of an Icon' de Richard Witts, Nico foi convidada para participar do filme 'O Sol por Testemunha (1960)', através de seu amigo Maurice Ronet. O longa seria gravado em um iate, na ilha Ischia, na Itália. Ao chegar lá, no entanto, ela descobriu que foi substituída pela atriz Marie Laforêt, já que ela se atrasou sem dar satisfações. Quem se ofereceu para consolá-la? Alain, que a levou para viajar por algum tempo - e na ocasião ele ainda namorava Romy Schneider.
Após alguns dias no paraíso, eles se separaram, mas se reencontraram em novembro de 1961. A jovem soube que ele estava no mesmo hotel que ela, o Saint Regis Hotel, em Nova York, nos EUA. Os dois saíram juntos, se divertiram, e depois voltaram para o quarto - aquela noite, eles conceberam o filho, Christian. Nico namorava o cineasta Nico Papatakis na época e, logo depois, se separaram de vez - embora o artista tenha a ajudado durante a gravidez.
Em 11 de agosto de 1962, na clínica particular Belvedere, em Neuilly, Paris, na França, Christian Aaron Päffgen nasceu através de uma cesárea. Ele foi nomeado com C de Christa - nome verdadeiro de Nico - Aaron pelo A de Alain e por significar 'pequeno leão', já que ele era do signo de Leão. Alguns meses depois, Nico mandou uma carta informando o astro sobre o filho, apelidado de Ari, mas ele se recusou a tomar alguma providência - para Alain, Nico era a única responsável. Ele se casou logo depois com a modelo Nathalie, com quem teve o filho Anthony em 1964.
Nico e Ari e, ao lado, o pai Alain Delon |
No começo, especulava-se de que Nico Papatakis poderia ser o pai de Ari e que Nico, de fato, estaria apenas obcecada por Alain. À medida que o menino crescia, no entanto, ficava evidente o quanto ele era parecido com Delon - a mãe do astro, Édith Arnold, também achava. O fotógrafo e amigo da estrela, Willy Maywald, entrou em contato com a avó, que concordou em ajudar como pudesse.
Na ocasião, Nico deixava o filho com a mãe, Margarete, que lutava contra o Parkinson e estava, aos poucos, declinando em saúde. Trabalhando como modelo e aceitando todos os bookings que pudesse, ela não tinha tempo para ficar com o filho e teve que recorrer à Édith, que concordou em cuidar de Ari enquanto Nico trabalhava.
Em 1964, o pequeno Christian recebeu uma visita da tia, Paulaedith - parente apenas por parte de mãe de Alain - que relembrou as condições desumanas que ele fora submetido em Ibiza com a avó: "Eu cheguei e fiquei chocada. Ele era mantido em um quarto escuro e ele estava com medo, encurvado como um animal. A mãe de Nico não o deixava ir. Ela não me dava os papeis de entrada dele no país, então não podia levá-lo. Eu tive que voltar para Paris de mãos vazias. Minha mãe decidiu que tomaria às rédeas. Devo acrescentar que não foi fácil para nós, porque tivemos que pagar tudo. Nico nunca nos deu um tostão".
Ari com a avó Edith, a mulher que o criou realmente |
Edith ligou para Nico em Londres e pediu uma cópia dos papéis de entrada de Ari em Ibiza. A senhora explicou a situação e conseguiu tirar o pequeno da avó - ele estava morando agora com a família paterna na França. Em sua autobiografia, o 'L'amour n'oublie jamais', publicado em 2001, Christian relembra sua infância atribulada, viajando para cima e para baixo com a mãe, apesar de receber o carinho e cuidado de sua avó e tia. Segundo fontes, Nico o levava para festejar com Andy Warhol em Nova York e o menino bebia dos copos com álcool, com apenas cinco anos de idade. Ali, Edith interferiu e ficou com ele permanentemente.
No livro, Christian contou, inclusive, o encontro que teve com o pai após a morte do avô, Paul, em 1986. Juntos, no carro do astro, Alain teria deixado claro: "Você é meu amigo, você é meu amigo. Mas vou te dizer algo: você não tem os meus olhos, você não tem o meu cabelo. Você não é o meu filho, nunca será meu filho. Eu apenas dormi com sua mãe uma vez. Seu pai é de Póleon".
Apesar de nunca reconhecer, publicamente, a paternidade de Ari, Alain sabia, no fundo, que o rapaz era seu filho. Em 1969, quando o guarda-costas dele foi terrivelmente assassinado, Christian foi enviado para um local seguro, já que o assassino jurou matar Delon, a esposa, e seu filho, Anthony. A ação foi feita pelos Boulognes, que criavam Ari como um filho, mas para Nico isso provava a legitimidade da relação. Em 1965, outro guarda-costas de Alain havia sido assassinado e Nico jurava que sabia quem era o responsável - porém nunca o revelou.
Mãe e filho em momentos mais felizes |
Nico e Ari em 1981 |
Ari Bolougne |
Ari em 2022 |
Nenhum comentário
Postar um comentário