"Eu sou a realização do sonho", dizia Eliana Cobbett, segundo depoimento do filho Alexandre. Ciente de seu próprio poder, a artista era complementar à seu marido, William Cobbett: enquanto ela colocava a 'mão na massa' e fazia acontecer, o diretor vivia no mundo lúdico e, com seus ideais, impulsionava a produtora - que rodava o Brasil afora para ver os filmes que produziu sob as luzes do ecrã.
Eliana Estael Cosme Cobbett foi a primeira produtora executiva de cinema do Brasil. Nascida em 7 de junho de 1941, em Belo Horizonte, Minas Gerais, ela é a irmã mais velha de Adélia Sampaio, que é outra pioneira - esta foi a primeira negra a dirigir um longa-metragem no país com 'Amor Maldito' em 1984.
Antes de Eliana, temos Ana Teresa Mariani, que foi produtora executiva do longa 'A Dança das Bruxas' de 1970, dirigido por Francisco Dreux - mas diferente de Cobbett, ela não seguiu a carreira nos cinemas. Depois das duas, vieram outras que se inspiraram nesse trabalho como a própria Betty Faria no filme 'Jubiabá (1986)', Gláucia Camargos no documentário 'Getúlio Vargas (1974)', Elisa Sá de Moraes, Maria de Salete e Madalena Loureiro.
Eliana Cobbett Arquivo Pessoal/Tatiana Cobbett |
Eliana (à esquerda), Guiomar ao centro e Adélia ao fundo Reprodução/Arquivo Pessoal |
Eliana e Adélia na infância Reprodução/Arquivo Pessoal |
Guiomar em pintura - a grande guerreira Reprodução/Instagram |
William Cobbett - sempre perto de livros e criando roteiros |
Eliana e William no dia do casamento Arquivo Pessoal/ Tatianna Cobbett |
Tabajara Filmes, DiFilm e a Ditadura Militar
Alexandre, Tatiana, André (bebê no colo de Guiomar), Gogoia, Vladmir, Alan e Aldrin |
"Tivemos que nos esconder na casa do Pedro Porfírio, marido de Adélia. O Pedro foi preso, o papai quase foi preso, teve que se desfazer de todos os livros que tinha das teses comunistas, minha avó queimou todos os livros, o risco era muito grande. Ficamos [eu, papai, mamãe, Alan e Tatiana] dentro de um apartamento pequeno, durante uns três meses até que tivesse certeza que não estavam perseguindo o meu pai e mãe e estávamos em segurança", relembra Alexandre.
William e Eliana se unem na produção
Encenação de Jesus Cristo no Espírito Santo Reprodução |
William durante as gravações de 'Jesuíno Brilhante' |
Eu lembro do impacto da cena de uma vaquejada, que abaixaram a caminhonete e colocaram a câmera em cima do capô da caminhonete, esvaziaram os pneus e a câmera saia correndo atrás do boi e a caminhonete atrás do homem tentando laçar. Isso era inusitado no cinema. - relembrou Tatiana, que já era uma pré-adolescente nas filmagens de Jesuíno Brilhante.
Os três filhos são resolutos: o filme favorito produzido por Eliana era Jesuíno Brilhante, por ela considerar o retorno de William à sua cidade natal importante e "pelo personagem ser literalmente, do Rio Grande do Norte, que é uma espécie do Robin Hood do sertão", como explica a filha mais velha do casal. Eles participaram do Festival de Cinema em Moscou na Rússia, em 1973, por conta do longa.
Aldrin relembra que os dois, pai e mãe, se complementavam muito bem. Tatiana, a irmã mais velha, concorda: "Ele incentivava a minha mãe, meu pai era bem mais intelectual, minha mãe era prática, pé de boi, lia o roteiro e saia a procura de onde seria filmado, ela tinha uma visão produtiva bem maior do que o meu pai. Meu pai pensava nos personagens e ela queria ver aquilo realizado".
Eliana com a mãe, Guiomar, e os filhos - ainda sem o caçula André Arquivo Pessoal/Adélia Sampaio |
Em 1974, Eliana trabalhou mais uma vez com o marido ao produzir o filme 'Uma Tarde, Outra Tarde', baseado no livro de Josué Montello - a segunda vez que um livro dele era adaptado nos cinemas e a primeira vez gravado em Areal, no Rio de Janeiro. Conforme revelou o próprio autor, em entrevista para a revista Manchete, foi Vanja Orico quem lhe revelou que William estava interessado em seu romance. Alguns anos, antes, eles haviam firmado um contrato para que William gravasse 'Uma Tarde, Outra Tarde' e 'Cais da Sagração' - este que acabou não saindo do papel.
Josué relembrou que, ao ver o roteiro pela primeira vez, William foi até a sua casa acompanhado de Eliana que "lhe toma conta da vida e das despesas enquanto o marido filma sem ter a noção exata do dinheiro". O escritor ficou tão impressionado pelo casal que fez o roteiro do filme 'O Monstro de Santa Teresa', lançado em 1975, com William - e Eliana, mais uma vez, cuidava dos custos e de todos os pormenores da produção.
De Kombi afora
No começo dos anos 70, além de se concentrar em produzir os filmes do marido e com uma parceria forte com Luiz Carlos Barreto, Eliana viajava Brasil afora, com sua kombi, para vender os filmes 'Jesuíno Brilhante' e 'A Vida de Jesus Cristo' para os cinemas no interior.
Eliana no dia de seu casamento em 1959 |
Alexandre, que na ocasião tinha por volta de 14 anos, era convocado a ir com a matriarca para acompanhá-la: "Nós chegávamos de manha, nós íamos nos hospedar e dependendo do percurso, ela ia direto no dono do cinema e fazia a distribuição e a proposta, que geralmente era a 'Vida de Cristo', 'Jesuíno' e os desenhos e propunha fazer a distribuição".
Eliana seguia vendendo os longas do marido já que, nos anos 70, uma cidade, mesmo que pequena no interior, tinha mais de 4 casas de cinema. Neste caso, o contratante tinha duas opções: alugar o filme ou comprá-lo para obter uma renda fixa. 'A Vida de Jesus Cristo' era o grande ganhador, já que era um longa religioso e apropriado para todas as idades. O dinheiro obtido era escondido na kombi e Eliana seguiu fazendo esse esquema até o começo dos anos 80 - foi tão bem sucedida que voltou para a casa com um Mercedes Benz.
Eliana com o neto curtindo a praia Arquivo Pessoal |
Os grandes espetáculos de Eliana
William no set de filmagens de O Grande Palhaço Arquivo Pessoal |
À esquerda, o cartaz vencedor do concurso promovido por Eliana |
Eliana - e o apreço pela educação
Eliana e Adélia: as grandes irmãs Arquivo Pessoal/Adélia Sampaio |
Tatiana com a mãe, Eliana e a avó, Guiomar Arquivo Pessoal |
Centenas de estudantes em sessão do 'Escola vai ao Cinema' Jornal do Brasil |
"Ele era uma pessoa ativa, imagino que seja difícil, mas ele era intelectual, então se ele tivesse um livro e alguém para conversar não se lamentava muito, ele lamentava de não estar atuante no cinema, nos filmes. Por isso ela dizia que ela morreu de 'tódio', porque ficou entediado, conformado com a doença, e ódio porque tinha amargura de ficar doente tão jovem e se entregou. Para ela então foi mais difícil esse fim de vida do meu pai do que a morte em si", lamenta Tatiana.
A família toda reunida no casamento civil de Eliana Arquivo Pessoal |
A partida
Eliana com um de seus netos |
- Matéria: Miguel Borges da Revista Aplauso
- Site: Family Heritage (com confirmações de datas de nascimento e falecimento)
- Matéria: Eliana Brilhante Cobbett
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